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Fora de Foco - Fininho

22 nov 2022
Fora de Foco

                O Fininho era um cão esperto. Seguia a avó para todo o lado. Se fosse preciso ela dava-lhe, de quando em vez, umas verdascadas, mas alimentava-o de forma quase opípara e não lhe regateava blandicias, quer ele tivesse feito qualquer coisa para as merecer ou por simples afecto.

                Lembra-me que, um belo dia, corria uma safra na quinta, à lonjura de dois quilómetros, por carreiros e atalhos, e a avó, Fininho a lamber-lhe quase os calcanhares, lá partiu com ela e mais dois ou três assalariados, enxadas ao ombro, mal rompera a madrugada.

                No regresso, tardinha dentro, já o sol começara a acocorar-se no horizonte, terminada a faina, quando recolheu a penates, deu a avó pela falta do canídeo. Sobressaltou-se-lhe o coração pelo lance raro do Fininho. Adormeceu já tarde preocupada com a vida e a ausência do rafeiro. Porém, quando no dia seguinte, ela, com os trabalhadores regressaram à quinta para continuarem a jornada, foram dar com o artolas junto às enxadas, o que não era coisa natural nem necessária, se a jorna iria continuar e, nesses remotos tempos, não existia ainda em profusão os amigos do alheio que hoje enchem o mundo à tripa forra. Em suma: o animal, talvez à sua maneira alarmado, levara toda a santa a noite a guardar os apetrechos, ao relento e a passar fome, pois que, por ali, não existia coisa que cão morfasse.

                 Emocionou-se a avó com o transe dedicado da alimária. E então, dos olhos dela que raramente chorava, soltaram-se duas lágrimas que eram prova de um amor a corresponder a outro afecto.

                 E quando Fininho morreu, a avó, compungida e triste até ao fundo da alma, pois perdera o seu melhor amigo, mandou que o enterrassem à sombra do vetusto castanheiro onde, três anos antes, ele ficara de guarda fiel e dedicado, a tomar conta das enxadas.

                 V.C.