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Fora de Foco - Retalhos

15 out 2021
Fora de Foco

“Se é unanimemente reconhecida a importância dos operadores judiciários conhecerem bem o meio onde se movem, inversamente, neste espaço de construção/desconstrução o que se pretende é, de um modo informal e através de pequenos textos, periodicamente, dar a conhecer à comunidade histórias, reais ou fictícias, pensamentos ou pedaços de vida cujo ponto em comum é terem sido escritas por magistrados de ou em exercício de funções na Comarca de Viseu e, nessa medida, traduzirem, também, um olhar sentido de quem, em maior ou menor grau, conhece o pulsar do distrito e das pessoas que nele vivem.”

Reza assim a “carta editorial” deste espaço, “Fora de Foco”, a qual me evoca, com saudade, as aulas de “Ciência Judiciária” que o Dr. Álvaro Laborinho Lúcio ministrava, nas tardes de sexta-feira, no Centro de Estudos Judiciários. Aulas nem sempre muito assistidas, porque a disciplina não entrava nas contas da nota final e a maioria dos auditores, sendo de fora de Lisboa, aproveitava o ensejo para regressar mais cedo a casa e aos seus.

Ora, o Dr. Laborinho Lúcio, nazareno de nascença, mas tendo exercido o ministério em várias comarcas do Portugal profundo, sabia o quão importante era conhecer o meio, o pulsar e o sentir das populações que habitavam essas comarcas recônditas, as quais, em ingresso, eram, não raro, destino de magistrados acabados de sair, quentinhos, do forno da formação, alguns, nados e criados na cidade grande e imbuídos, por isso, de uma cultura urbana que chocava de frente com os ritos, os costumes, o linguajar, a idiossincrasia enfim, exigente e sem concessões a modismos nem modernismos, dessas mesmas populações que, por algum tempo, iriam servir.

A procuradora da República e consagrada escritora, Julieta Monginho, retrata magistralmente essa tensão numa obra intitulada “O Juízo Perfeito”, cuja leitura vivamente se aconselha. E o próprio Dr. Laborinho Lúcio, sob o pano de boca de uma cenografia, reuniu em “O Chamador” um conjunto de estórias que, como se escreve na sinopse do livro, “derivam certamente do riquíssimo percurso pessoal e profissional do autor”, que foi procurador e juiz, fruto da “itinerância intelectual”, da “mobilidade geográfica e social”, da “diversidade de tipos humanos retratados” e da “total disponibilidade para melhor os conhecer e compreender”. Afinal, o que Laborinho Lúcio transmitia, com inexcedíveis eloquência e graça, nas aulas de Ciência Judiciária, preparando as tropas para o embate. Afinal, o que a “carta editorial” deste espaço “Fora do Foco”, evoca também, estimula e, por assim dizer, homenageia, como já referi.

Estabelece a “carta editorial” que hão-de ser pequenos os textos e este já botou corpo, como por aqui se diz. Permita-se-me, no entanto, para terminar, a menção a uma obra ficcional de cariz histórico, “Julgamento”, de Abílio Pereira de Carvalho, “onde se contam as esperanças,  angústias, preocupações e atribulações de um juiz natural de Lisboa, formado em Coimbra nos tempos de Antero e colocado na vila rural de Castro Daire”, onde, “auxiliado por um velho capelão natural da terra, toma conhecimento da história local, lendas, usos, costumes, tradições e pastorais episcopais que moldaram as mentalidades e os comportamentos do camponês a partir dos altares”. Obra que, temporalmente situada no último quartel do século XIX e, pois, numa realidade remota e desusada, tenho, contudo, ainda de bom proveito para os que, livremente ou por sortilégio concursal, se aventuram no exigente múnus de prover justiça às gentes da, hoje, alargada comarca de Viseu.

JG